sexta-feira, 11 de junho de 2010

Ser Tuno

Passo aqui a reproduzir um texto muito bem elaborado por «William Of Baskerville, na saga "O Nome da Tuna"» no seu blog Notas & Melodias.

«Domingo, Agosto 19, 2007


Notas sobre o SER TUNO

Este meu “considerando” é sobre o SER Tuno, muitas vezes confundido com o PARECER-se com tal, fruto da formação, ou falta dela, adquirido no seio da tuna.
Nos dias que correm, e daquilo que alguns anos neste mester me vão trazendo de experiência, tenho-me apercebido de algumas incidências que, me parece, poderão estar no rol de causas para alguns equívocos – equívocos esses que, incorrendo no processo “bola de neve” se vão traduzindo em explícitos largamente debatidos como parte dos problemas que vive a nossa comunidade tunante.

Passa pois a reflexão por perguntar qual o papel da Tuna como meio de formação do indivíduo e, neste caso, que formação municia ela para formar tunos.
O que tenho registado, de tudo quanto vi e ouvi, de tudo o que presencio ou me é relatado nos vários contactos que vou tendo com inúmeros tunos amigos, é que a nossa tuna, grosso modo não forma Tunos (salvo as devidas excepções que existem para contradizer, e bem, esta reflexão), já que se encurtam processos e atalham caminhos sob pressão do mercado, sob imperativos “comerciais”. Assim, o “step by step” comum à ascensão hierárquica no grupo é, não poucas vezes, escamoteado em favor de argumentos de natureza…… musical.


A Tuna, muitas vezes condicionada pelo mercado competitivo em que se transformou o mester tunante, relega para segundo plano (quando não relega de todo) os aspectos mais relacionados com a conduta e o modo de ser e estar, em favor das aptidões musicais do indivíduo, certamente essenciais num grupo musical, mas não exclusivas para a condição de tuno.
Vão-se fazendo simulacros de praxis, de critérios de ascensão hierárquica, onde, em muitos casos, basta apenas ser razoável, vá….. “sofrível”, e bom compincha na farra, para esperar os galões de tuno por uso capião.


Já vi de tudo: novatos ou virtuoso executante com conduta imprópria a quem tudo de eufemisa por ser uma promessa musical (ou simplesmente porque não há quem faça valer e viva qualquer código de conduta), bem como grupos onde a postura é ponto de honra e se exerce real penalização para com quem prevarica e põe em causa os valores do grupo, da tuna, por melhor que se seja como músico.


Nos dias que correm, a praxe exerce-se mais para marcar posição e como sinal de trânsito, para manter o status da veterania como fim em si mesmo, ou meramente como prática repetida (às vezes sem a devida reflexão do seu porquê) porque habitual e tradicional na relação entre caloiro e veterano – herança das aprendizagens (por vezes mal filtradas) da condição de doutor na praxe.
Não admira, pois, que assistamos, em demasia, a condutas reprováveis ou censuráveis do ponto de vista da ética tunante e, acima de tudo, no que respeita ao civismo e boa educação que qualquer tuno, como cidadão, deveria praticar. E se ninguém pode dar o que não tem, cabe à Tuna contribuir para colmatar essas falhas, ao invés de as consentir como excepção.
O desrespeito para com os mais velhos, a falta de consideração tida para com a tradição (por mais que ela seja, ainda, recente - quando comparada com o país vizinho), o desdém com que são olhados os legados transmitidos (quando o são), o neo-tunantismo e invenções de ¾ de mês são provas mais que suficientes para sustentar estes argumentos.
Se as recentes gerações não trazem de casa alguns fundamentos basilares, no que respeita a valores e educação, há que não menorizar o papel da tuna, ou a falta dele, na formação dos indivíduos que acolhe.

Chega-se à tuna sem conhecer o seu funcionamento, sem conhecer a sua história (alguns, nem anos depois conhecem a história da tuna em que se inserem), sem perceber, de facto ,o que é ser tuno, porque lhes é dado esse título bem antes de o encarnarem realmente.
A tuna não exige senão o cumprimento de critérios mínimos, exigências que mais fazem parecer os padrões de rigor escolar impostos pelo Ministério da Educação (não admira, depois, que até pareça haver sucesso, mesmo que isso esconda uma cada vez maior iliteracia).
O novato chega, trazido pela mão de um amigo, ou “intimado” pelo veterano lá da faculdade, abancando nos ensaios, vendo, ouvindo e criando hábito, convivendo, fazendo amigos, sendo…compincha. Depois lá traz o seu instrumento e começa a aprender as músicas e, mais coisa menos coisa, passado 1 ano, se estiver minimamente apto e não tiver criado qualquer contencioso (nomeadamente com as altas esferas mandantes – daí convir ter, também, bons padrinhos, tal mostrando que é astuto e sabe mexer-se na política interna), torna-se tuno.
Assim, neste nosso recanto, é-se tuno, normalmente no prazo de 1 ano, quando não se o é antes.

Mas é assim, sempre assim foi. Qual é o problema?

Bem, o problema põe-se, se quisermos ser um pouco mais “miudinhos” e fazer mais umas malhas de tricot, não no prazo em si, mas no hábito desse prazo. Parece que se ascende por tempo de serviço, mais do que por mérito, dado que é da praxe ser-se caloiro apenas no primeiro ano em que se integra algo, porque depois ascende-se hierarquicamente só porque passou esse prazo.
Mérito haverá algum (em muitos casos, todo), por certo, mas questiono-me se ele coloca a componente que tenho vindo a falar no mesmo plano de exigência que a componente musical aliada à “compinchinche”, daí que julgo que não se ambiciona a excelência, havendo, isso sim, um quedar-se pelo tunal-porreirismo que nos caracteriza.
Consequentemente, podemos separar o Tuno em duas acepções díspares: a daquele que assim é denominado porque faz parte de uma Tuna e aquele que o é, de facto, na mesma, sendo que a tuna resulta da soma de Tunos e não é apenas um dístico que serve para justificar muitos dos epifenómenos que por aí pululam.

Não falo de cátedra, porque passei pelo mesmíssimo processo, pese embora com as devidas excepções que me permitem, desculpem a falta de modéstia, dizer que comigo, e não só, foi diferente.
Fiz-me tuno num contexto e tempo onde ainda se não fazia sentir a competitividade resultante da festivalite, daí que havia muito mais tempo para estar com os meus pares para além dos ensaios e actuações, para conversar, aprender, viver o mester na sua forma mais próxima do “correr la tuna”.
Tal não sucede assim, ou tanto assim, na actualidade, e desde há uns anos largos a esta parte.
O novato que chega à tuna pouco mais contacto tem, do contexto tunante, do que o dos ensaios e da preenchida agenda de actuações, daí que tudo o que ele é se evidencia apenas nesses dois “locus vivendi”.
Difícil é, pois, avaliar, conhecer uma pessoa e formá-la quando o tempo se esgota em compromissos essencialmente musicais.
Assim, basta acompanhar o barco, não cair borda fora que, chegando ao ancoradouro, ao porto, se ainda estiver no convés, passa a ser marujo de pleno direito, conquanto tenha feito algumas faxinas e puxado um cabos ou subido uma vez à gávea para fazer turno de vigia.

Quando iniciei este mester, não tive a sorte de ter grandes referências, porque em árida terra tunante me encontrava, porque tudo se estava semeando, porque, à falta das actuais tecnologias que nos revestem de aldeia global, me vi forçado de autodidatismo. Mas nunca perdi a oportunidade de inquirir, procurar, pesquisar e informar-me do como se fazia, porquê, por quem, como, quando…….. para ter a certeza de que o que fazia, o que fazíamos na altura, estava de acordo com o praticado pelas tunas de referência (que não apenas as portuguesas). Copiava dos outros? Certamente que sim, dos que eram credenciados e serviam de exemplo, o que nem era propriamente copiar, mas tão só comungar da mesma tradição, optar por observar as mesmas regras do jogo, o que nunca impediu a originalidade ou identidade própria, mas nunca às custas do “inventismo” gratuito como hoje se vê.
Afinal, Tuna não era criação original cá do burgo e tinha critérios e padrões minimamente definidos, daí que o chavão “à terra onde fores ter, faz como vires fazer” fazia todo o sentido se, também nós, queríamos ser tuna, sermos tunos.
Nem sempre se acertou, mas sempre houve a vontade de aprender com quem sabia mais, colher ensinamentos e fazer jus ao legado que se ia recebendo por parte de quem era Tuno.

Hoje, o que assisto, é a uma sobranceria a toda a prova, de quem acha não ter a receber lições de ninguém, de quem acha que quem cá está há mais tempo virou obsoleto e “démodé”, passando por cima de toda a folha e fazendo vista grossa a tudo quanto possa por em causa o seu umbigo e barriga real.

Para se ser médico, professor, engenheiro….. há que estudar, fazer percurso, aprender, não apenas na base da prática, mas também da teoria. Para se ingressar num curso superior, conta-se com uma formação e pré-requisitos anteriores.
Na tuna, conta-se, essencialmente, com as competências musicais (trazidas e/ou desenvolvidas). Para se ser tuno não é preciso nada mais o que “andar na coisa”, tocar os mínimos, ser bom conviva e o resto……….
Bem, o resto deixa-se ao bom senso do “aleas jatca est” esperando que o tempo opere e se nos substitua; esperando que os vindouros apreendam por osmose o que é ser tuno; ficando-se por copiar procedimentos, mesmo que, durante muito tempo, os não entenda.

Aqui reside o ponto de intervenção.
A Tuna deve privilegiar a formação integral dos seus elementos e não ser mero somatório de executantes musicais que tiveram em comum uma formação universitária, não pode a tuna ser mero acidente matemático de “universitário trajado+músico/instrumento = Tuno”. A Tuna tem o dever e o insubstituível papel de formar tunos conhecedores e esclarecidos, cuja conduta dignifique a comunidade em que se insere, cujos elementos não sejam meros tocadores de ocasião, resumidos a compromissos de palco.
Existe uma cultura tunante por descobrir, por legar, nomeadamente fora de palco, fora da rotina costumeira a que muitas tunas se votaram: ensaios-actuações-ensaios-actuações sendo, demasiadas vezes, mais grupos musicais do que tunas (sim, porque há vida tunante para além disso).
Com o dealbar de Bolonha, o problema tende a agudizar-se, já que o tempo é algo fundamental para fazer levedar, porque é preciso tempo para a colheita amadurecer e ser colhida.

Temos vindo a colher verde, às (muitas) vezes a martelo, porque há pressa e o fruto maduro tem maiores custos, pois exige espera, mas é sabido e certo, como o próprio tempo tem vindo a demonstrar, que quem quer Vintage e bom vinho, tem de o deixar maturar, preferencialmente em contentor apropriado, sob temperatura e luz adequadas.
Não basta, pois, engarrafar e por bonito rótulo só porque há que por vinho na mesa. Se a festa não pode ter bom vinho, beba-se água ou cerveja, mas quando se servir o báquico néctar, que ele seja digno desse nome e não publicidade enganadora, para que satisfaça o mais exigente gourmet.»

by Baco Atum

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